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A recentemente repercussão de a Justiça haver autorizado a interrupção de gravidez, resultado de estupro de menina de 10 anos, gerou polêmica e serviu para trazer luz problema grave, que termina minimizado, como referi na coluna que escrevi neste espaço, sob o título de A cultura do estupro.
Este ano, passei a integrar a 6ª Câmara Criminal do TJRS, que tem competência para julgar crimes sexuais, e, assim, julgo cotidianamente crimes de estupro, em especial de vulneráveis (crianças até 14 anos e qualquer pessoa que por problemas físicos ou mentais não têm capacidade de consentir ou se opor à violência).
Impressiona o número de casos de menores, meninos e meninas, abusados sexualmente, assim como chama a atenção que este tipo de criminalidade não sensibilize a sociedade, salvo em casos midiáticos como foi o desta menina de 10 anos que resultou grávida.
Os dados são assustadores. Somente neste ano, até o mês de julho, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, os casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes com idade até 14 anos, alcança a impressionante média de 5 vítimas diárias. Importante registrar que esta média é de casos que chegam ao conhecimento das autoridades, mas ao que tudo indica os casos não notificados são muito maiores.
Dentre os casos de estupro de vulneráveis a regra (sempre há exceções) é de que o estuprador seja alguém do convívio familiar da vítima ou do círculo de amigos da família. O abusador é insidioso, vale-se da confiança dos familiares e de artifícios para iludir os menores abusados e/ou chantageá-los ameaçando fazer mal para o próprio ou seus familiares. Não é raro que, mesmo quando preferem "não acreditar" e, se acreditam, preferem não denunciar.
As crianças abusadas são duplamente vitimadas. O abuso sexual é acrescido do medo de relatar o fato, tudo permeado por um sentimento de culpa que traz grande sofrimento psicológico. As vítimas somente quebram o silêncio quando se sentem seguras para tanto, certas de que não serão elas as penalizadas pelo abuso que sofreram.
Segundo dados do Centro de Referência no Atendimento à Infância e Juventude, somente em Porto Alegre, 70% dos atendimentos envolvem violência intrafamiliar.
O estupro não é somente contra meninas; meninos podem ser também abusados. Não importa para caracterizar estupro que haja o coito propriamente dito, basta qualquer ato de cunho sexual que vise satisfazer a lascívia do abusador valendo-se de pessoa vulnerável como objeto.
Nesses tipos de crime a vítima termina sendo vista com suspeição, ao ponto de existir uma verdadeira inversão de valores, como se ela fosse responsável pelo abuso sofrido. A sociedade não incentiva ou permite o estupro, mas é inegável que há uma tendência a relativizar a violência, reduzindo a responsabilidade do abusador, partindo do pressuposto de que a vítima deu causa ao crime. Daí a importância de trazer a questão à lume, única forma de desconstituir a cultura vigente sobre os crimes sexuais.